Setores criticam reforma tributária com mudança no PIS/Cofins
Para comércio e serviços, medida elevará carga
por João Sorima Neto / Chico Prado / Geralda Doca / Cristiane Jungblut
SÃO PAULO e BRASÍLIA – Uma reforma tributária fatiada, sem uma mudança radical no complexo sistema de impostos do país, desagrada empresários e representantes do setor produtivo. Para eles, começar a reforma pela unificação de impostos como PIS e Cofins significa aumentar a carga tributária, que gira em torno de 35%, especialmente sobre o setor de serviços, que emprega cerca de 21 milhões de pessoas no país e equivale a 63% do PIB. Na prática, dizem os especialistas, essa unificação de impostos pode aumentar o desemprego. O governo, por sua vez, começou a discutir o assunto com parlamentares. A reforma tributária foi um dos temas do encontro do presidente Michel Temer, ontem, com deputados do PSDB. Temer foi informado de que essa reforma agrada bastante aos tucanos.
Se a unificação sair, o PIS/Cofins combinado resultaria em uma alíquota única de 9,25%, com o fim do sistema cumulativo (em que as empresas pagam alíquota de 3,65% e geram créditos tributários, desonerando a cadeia de produção). Segundo projeção do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), essa medida afetaria 1,5 milhão de empresas, que passariam a pagar R$ 50 bilhões a mais. O IBPT estima que dois em cada dez postos de trabalho podem ser eliminados, porque as empresas não teriam como repassar essa alta de custos aos preços dos serviços.
Já a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) calcula um aumento de custo com impostos de até R$ 1,3 bilhão. O segmento também deixaria de contratar pelo menos 100 mil pessoas. A carga tributária do setor está em 37,23%.
— Esse tipo de reforma é anticíclica. Traz mais recessão, eleva o custo das empresas com mais imposto e aumenta o desemprego — diz Francisco Balestrin, presidente da Anahp.
DISCUSSÃO SOBRE IMPOSTO ÚNICO
José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), afirma, no entanto, que não é possível dizer se haverá aumento de carga tributária sem saber os detalhes da proposta, como base de cálculo e alíquota. Ele disse ser favorável às mudanças e defende que a alteração seja gradual:
— Sou favorável a se mudar primeiramente só o PIS, por ser o menor dos tributos e com base mais ampla. Ele deveria se tornar um imposto sobre valor adicionado e com uma alíquota única, sem isenções. Seria um imposto laboratório.
O gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, também não achar possível calcular o impacto porque “não há transparência” sobre o que pode ser apresentado:
— Não conhecemos a proposta. Já conversamos muitas vezes com a Receita Federal. Há pontos de convergência, como a simplificação do sistema, mas muitos pontos críticos que não foram explicitados. Há um receio muito disseminado por aumento de carga tributária.
A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio/SP) defende uma reforma tributária ampla em lugar do fatiamento proposto pelo governo.
— A indústria e o comércio têm como gerar créditos tributários. Já o setor de serviços, que é intensivo em mão de obra, sai prejudicado. No atual quadro de baixo crescimento da economia, fica impossível repassar preços. O resultado é aumento do desemprego — diz Janaína Mesquita, assessora jurídica da Fecomércio/SP.
Marco Stefanini, CEO global da empresa de tecnologia da informação Stefanini, que tem 21 mil funcionários, sendo 12 mil no Brasil, diz que a proposta “será devastadora” e vai tirar competitividade do setor:
— Nossa matéria-prima é a mão de obra. Não temos como compensar impostos com créditos tributários. Essa unificação dará vantagem competitiva para empresas que não contratam pela CLT e fazem subcontratações. Contribuirá ainda mais para a informalidade.
A substituição de seis impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS, CSLL e ISS) pelo chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado), diz Janaína, acabaria, por exemplo, com a guerra fiscal nos estados, já que o imposto seria cobrado no destino dos produtos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ao GLOBO que os deputados estão discutindo o assunto “há alguns meses” e que a ajuda do governo é “bem-vinda”. Ele disse haver propostas de unificação federal — com IPI, PIS/Cofins e uma espécie de IVA estadual. Mas, ressaltou, o problema é viabilizar tais mudanças.
Para Castelo Branco, da CNI, este seria um bom momento para discutir o imposto único sobre mercadorias e serviços. Mas ele ressalta que a discussão precisa ser profunda e envolver todos os setores.
O assessor econômico da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Fernando Garcia de Freitas, defende a manutenção do sistema cumulativo para o setor de serviços, desde que a alíquota seja inferior a 9,25% e escalonada conforme o serviço prestado:
— Alguns serviços vão pagar mais, mas a chance de um equilíbrio é maior. A ideia do não cumulativo é boa, mas os 9,25%, originalmente, foram pensados para a indústria, não para o setor de serviços.
TEMOR DE DESEMPREGO
Como o setor de serviços é extremamente amplo — abrange desde a manicure até transporte rodoviário e aéreo —, Freitas sugere alíquotas entre 5,55% e 7,25% para quem faturar abaixo de R$ 4,8 milhões e optar pelo sistema não cumulativo:
— Se for adiante dessa forma que o governo estuda, vamos precisar refazer contratos. Isso vai encarecer o serviço, gerar inflação e, na ponta final, causar desemprego. O governo só está pensando em aumento de receita a curto prazo.
Já o tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, defende apenas ajustes na legislação, no conceito de insumo, que gera crédito tributário. Ele diz não ver necessidade da migração das empresas hoje enquadradas no regime cumulativo para o não cumulativo. Para Maciel, mexer nesse ponto deve, sim, elevar a carga para alguns setores, como o de serviços.